sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

“Elogio à solidão” – Paulo Pestana


Depois das duas habituais doses de uísque, ele levantou-se e anunciou: “Meus amigos, me deem licença porque vou usufruir da minha própria e agradável companhia”. Mulher e filhos viajando, foi para casa, onde só teria de dar comida ao cachorro e deitar-se no sofá, curtindo a solidão. Saia do bar bem mais inteiro do que chegou.

Ele poderia ter citado o filósofo alemão Arthur Schopenhauer quando disse que “a solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais”. Ou o padre Henri Lacordaire: “É a solidão que inspira os poetas, cria os artistas e anima o gênio”. Mas não era o caso. Ele só queria apreciar a sensação de estar em casa sem ninguém pedir nada a ele.
“Eu e meu ego”, disse ele, saboreando cada sílaba. “Como eu gosto de mim.”

O fato é que a solidão é um prazer para poucos. Para a maioria é tormento que segue o pensamento aristotélico, segundo o qual, “quem encontra prazer na solidão ou é fera selvagem ou é Deus”. E assim, a maioria das pessoas dispensa uma das melhores sensações que podem ser experimentadas: um mergulho na própria alma. Sem palpites externos.

Nos últimos anos, principalmente depois da ascensão das chamadas redes sociais, aflorou uma falsa sensação de coletividade baseada na posse de um telefone que amplia os horizontes do conhecimento ao mesmo tempo que reduz a convivência íntima – a não ser que se chame de intimidade a proliferação de filmes e fotos de nudez que são publicadas todo dia.

As discussões via internet, principalmente as mais acaloradas, forjam uma falsa sensação de vida social. Mas não há discussão boa sem a umidade dos perdigotos e a indignação dos socos na mesa; não há entendimento sem o intransferível embate pessoal, não há resultado nesses estéreis e covardes debates virtuais.

Da mesma maneira, a intimidade pessoal construída no mundo virtual é uma farsa e aprofunda a sensação de deslocamento pessoal na sociedade. Traz a ilusão que uma pessoa com muitos amigos na rede é popular – ou tem alguma importância.

A solidão não é vilã: pode ser produtiva. Todos os livros, por óbvio, foram produzidos nos momentos em que o autor estava entregue exclusivamente a sua história, embora possam ter sido criados a partir de convívio social; o mesmo acontece com os quadros que, quando muito, são divididos entre o artista e o modelo.

Mas a maioria das pessoas não sabe o que fazer com o próprio corpo e muito menos com o próprio pensamento. E este foi o motivo principal para que os britânicos criassem o Ministério da Solidão, que vai cuidar de nove milhões de solitários que sofrem com várias doenças que o isolamento trouxe. É o que a primeira-ministra Thereza May chamou de “triste realidade moderna”.

Eu prefiro ficar com o poeta Rainer Maria Rilke: “Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas, é a isso que é preciso chegar. Estar só, como a criança está só”.

Paulo Pestana é jornalista.
Publicado no Correio Braziliense em 28/01/2018